Upskilling e reskilling: o xadrez humano na era dos algoritmos
Gustavo Brito reflete sobre as mudanças do desenvolvimento profissional com a ascensão da IA

Há algo que venho observando com certa curiosidade nos últimos anos: a velocidade com que inventamos termos elegantes para processos que, no fundo, são tão antigos quanto a civilização. Upskilling e reskilling são dois desses exemplos perfeitos. Há séculos pessoas vêm aprendendo novas habilidades (upskilling) e se reinventando profissionalmente (reskilling). A novidade real não está nos conceitos, mas na urgência com que precisamos aplicá-los.
Enquanto a IA avança a passos largos, transformando em pó carreiras que pareciam inabaláveis, nós humanos estamos em uma curiosa encruzilhada existencial. Podemos encarar a inteligência artificial como a vilã que veio roubar nossos empregos ou como a parceira que vai nos libertar das tarefas mais entediantes. A escolha é nossa, mas o tempo para decidir está se esgotando.
O upskilling na era da IA não é simplesmente aprender Python, saber criar prompts ou entender algoritmos. É sobre desenvolver uma sensibilidade que nenhuma máquina conseguirá replicar. A sensibilidade é nosso superpoder humano. Enquanto a IA anda ocupada processando trilhões de dados, nós deveríamos estar sentindo, intuindo, percebendo nuances, contradições e absurdos. A empatia genuína, a capacidade de navegar pelo caos emocional humano e a habilidade de criar conexões improváveis são competências que algoritmos não dominam. IAs não vivem, não perambulam, não se apaixonam, não pegam chuva. São apenas inteligências munidas da nossa inteligência.
O reskilling, por sua vez, não deveria ser apenas sobre migrar de uma profissão ameaçada para outra temporariamente segura. Esse pensamento é curto demais. O verdadeiro reskilling na era da IA é a capacidade de se desprender do que você pensava ser sua identidade profissional e abraçar a fluidez. É entender que carreiras não são mais linhas retas, mas constelações de experiências, projetos e contribuições.
Tenho notado que organizações estão gastando fortunas em plataformas de aprendizagem digital, enchendo seus colaboradores de cursos e mais cursos sobre novas tecnologias. Mas será que estamos medindo o que realmente importa? Não é sobre quantos certificados seus colaboradores acumulam, mas sobre quão confortáveis eles estão na zona do desconforto. A verdadeira métrica do sucesso do upskilling e reskilling deveria ser a adaptabilidade, não a acumulação.
Veja, a educação corporativa está diante de uma chance de ouro para se reinventar. Por décadas, tratamos treinamento e desenvolvimento como um subsistema dentro das organizações, algo que existia à margem, muitas vezes desconectado das reais necessidades do negócio. Agora, com a IA redefinindo as regras do jogo, a aprendizagem precisa ser elevada ao status de ecossistema.
Um ecossistema de aprendizagem não é uma série de cursos desconexos. É um ambiente vivo, dinâmico, onde as pessoas interagem constantemente com oportunidades de aprendizado, seja por meio de experiências formais ou informais. É um espaço onde a cultura valoriza a curiosidade e a exploração mais do que a certeza e a estabilidade.
As organizações que entenderem isso primeiro terão uma vantagem competitiva incrível. Enquanto muitas empresas ainda estão ocupadas tentando mapear "skills gaps" e criando matrizes de competências que ficarão obsoletas antes mesmo de serem implementadas, as mais inteligentes estão cultivando ambientes onde o aprendizado é contínuo, orgânico e profundamente humano.
E aqui está o paradoxo mais interessante: quanto mais avançada se torna a tecnologia, mais valorizadas serão as qualidades essencialmente humanas. Criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional, resolução de problemas complexos, adaptabilidade e, acima de tudo, sensibilidade.
A sensibilidade para perceber quando um cliente está insatisfeito mesmo quando ele diz que está tudo bem. A sensibilidade para entender o não dito em uma reunião tensa. A sensibilidade para antecipar tendências que ainda não estão nos dados. A sensibilidade para conectar pontos aparentemente desconexos. Essas são as habilidades que nenhum algoritmo conseguirá dominar tão cedo.
Então, o que isso significa para profissionais de T&D? Significa que precisamos ir além de criar catálogos de cursos ou comprar plataformas de LXP. Nosso verdadeiro papel é arquitetar ambientes onde as pessoas possam se conectar, explorar, falhar sem medo e aprender continuamente. É sobre desenhar experiências significativas, comunicar com intenção, atender com empatia, medir com inteligência e gerir com visão sistêmica.
Upskilling e reskilling na era da IA não são processos que começam e terminam. São jornadas contínuas que requerem uma mudança fundamental na forma como pensamos sobre trabalho, aprendizado e o que significa ser humano em um mundo cada vez mais automatizado.
A boa notícia? Temos uma vantagem injusta nessa corrida: nossa divina condição humana. Nossa capacidade de sentir, de conectar, de imaginar o impossível. A IA pode processar informações em uma velocidade incrível, mas não pode sentir a emoção de uma descoberta, o prazer de uma conexão humana significativa ou a satisfação profunda de criar algo verdadeiramente novo.
Enquanto a tecnologia segue seu curso implacável, nossa sensibilidade humana continua sendo nossa carta na manga. E é exatamente nela que deveríamos estar investindo quando falamos de upskilling e reskilling na era da IA.
Afinal, em um mundo onde as máquinas dominam a lógica, ser humano é nosso maior diferencial competitivo.