Metadados Convida16 de julho de 2025

Usar IA é fácil. Difícil é lidar com gente.

Gio Mangoni, consultora em IA Generativa, explica como a inteligência artificial pode ser aplicada para melhorar processos no RH

Usar IA é fácil. Difícil é lidar com gente.

A inteligência artificial não é novidade no RH, mas só agora ela está ganhando rosto. O RH foi uma das primeiras áreas a receber a IA, mesmo sem perceber. Ferramentas como ATS (Applicant Tracking Systems) já utilizavam modelos de machine learning para ranquear currículos. A questão é que tudo isso acontecia nos bastidores, não havia a camada de linguagem natural que temos hoje.

Foi o mesmo que aconteceu com o Google Tradutor e o Face ID: a IA já estava por trás, mas nós não tínhamos noção do que estava por vir. A mudança e o hype aconteceram de verdade quando passamos a conversar com ela. Foi o que permitiu que nós, “meros mortais", profissionais de qualquer área, pudéssemos utilizar o poder dessas tecnologias de forma ativa, com o mais precioso que temos: nossa linguagem. Mas junto com essa democratização, também nos deparamos com questões que não podemos ignorar: até onde devemos confiar nessas máquinas quando o assunto é gente?

Recentemente publiquei no LinkedIn um caso em que alunos descobriram como burlar a correção automática de um professor, conseguindo notas maiores através de comandos direcionados à IA. Nos comentários, pessoas relataram que candidatos já fazem algo similar nos processos seletivos: descobrem formas de "hackear" os algoritmos de triagem de currículos para aparecer melhor ranqueados. Isso ilustra bem um problema maior: quando delegamos decisões importantes para sistemas estatísticos, criamos brechas que podem ser exploradas. A questão não é a IA em si, mas como estamos usando-a para lidar com algo tão complexo quanto o comportamento humano.

Vamos aos fatos: IA é estatística, dados. Ela opera por padrões, não por julgamento. Quando deixamos que ela filtre candidatos, por exemplo, ela pode ser útil para reduzir o volume - mesmo que ainda correndo o risco de ter alguns erros - mas não para tomar a decisão final. O risco está em tratar esses sistemas como filtros absolutos, quando eles deveriam atuar como lentes: nos ajudando a enxergar melhor, não decidindo sozinhos.

Dados são um problema complexo que ainda estamos longe de solucionar. Mas se a IA não pode tomar decisões por nós, então o que ela pode fazer?

Bom, vou fugir um pouco da IA "geral" (sistemas de IA para triagem, por exemplo) e mostrar algumas formas práticas de usar IA conversacional no RH, naquelas ferramentas que você já conhece: ChatGPT, Claude, Manus, etc.

Refinamento de comunicação

Uma aplicação que vai além de pedir para "mudar o tom desse texto", é pedir para a IA conduzir uma "entrevista" com você. Peça algo como: "Me faça perguntas para entender como devo dar esse feedback difícil." A IA vai perguntar coisas como: "Qual é o comportamento específico que precisa mudar?", "Como a pessoa costuma reagir a feedbacks?", "Qual é o contexto atual dela?". Você responde cada pergunta e, no final, a IA organiza suas respostas em uma mensagem estruturada. Muitos gestores fazem isso usando o recurso de voz, falando naturalmente como se estivessem conversando com um colega.

Assistentes de IA

Crie assistentes para situações que se repetem. Um assistente de onboarding, por exemplo, poderia ser alimentado com documentos como manual do colaborador, organograma, políticas da empresa e cronograma de treinamentos. Com instruções bem definidas, assim que chegar um novo funcionário, você pergunta: "Monte um plano de primeira semana para analista de vendas, considerando que ele vem de uma startup pequena." O assistente gera um roteiro personalizado que você só precisa ajustar.

Para avaliações de desempenho, outro assistente poderia ter instruções sobre competências da empresa, níveis de senioridade, exemplos de feedbacks construtivos. Na hora de avaliar, você envia: "Preciso avaliar um coordenador que tem boa entrega técnica, mas dificuldades de comunicação com a equipe." O assistente sugere estrutura, pontos de desenvolvimento e como abordar cada aspecto.

Mapeamento de sinais e padrões

Você pode usar a IA para organizar informações dispersas antes de tirar conclusões. Se você nota comportamentos estranhos em uma equipe, compile os dados e peça ajuda: "Três pessoas da equipe X estão chegando atrasadas nas segundas, houve dois pedidos de mudança de horário e a participação em reuniões matinais caiu. Que hipóteses devo considerar?" A IA organiza possibilidades que você pode investigar de forma mais direcionada.

Suporte à tomada de decisão estratégica

Antes de mudanças importantes, a IA pode te ajudar a simular cenários: "Vamos implementar trabalho híbrido com 3 dias presenciais obrigatórios. Como diferentes perfis podem reagir: pais com filhos pequenos, pessoas que moram longe, equipes com clientes internacionais?" A IA gera hipóteses de reação e você pode preparar estratégias de comunicação e soluções antecipadas.

O desafio de usar IA no RH vai muito além de copiar e colar um texto “melhorado”. É saber quebrar uma tarefa em partes e se perguntar: onde posso otimizar com IA? Quais riscos estão envolvidos? E, principalmente, como tirar dela o que tem de melhor sem abrir mão daquilo que, por enquanto, ela ainda faz mal. Interpretar contexto, demonstrar cuidado, agir com sensibilidade. Essas ainda são tarefas essencialmente humanas. E continuarão sendo, até que alguém consiga ensinar empatia para um algoritmo.

É isso que chamo de cocriação. Um processo em que a IA nos ajuda a pensar e executar melhor, mas não faz tudo por nós. Em vez de aceitar respostas prontas, a gente aprende a fazer perguntas melhores. No RH, isso vira uma habilidade técnica, mas também uma postura ética.

E aqui eu diria que está o “pulo do gato”: quanto mais você entende como a IA realmente funciona (seus limites, seus vieses, sua lógica estatística, sua técnica), mais você consegue extrair valor real dela.

Tudo começa pelo nosso vocabulário - o gramatical e o de vida, prático. É esse repertório que constrói o nosso “feeling” profissional, que é uma combinação entre conhecimento técnico básico, senso crítico e capacidade humana de contextualizar. Quando você entende que a IA opera por padrões estatísticos, não se surpreende se ela sugerir um feedback genérico. Quando conhece seus vieses, já questiona se a análise de perfis não está reproduzindo preconceitos. Quando entende suas limitações, nem cogita deixar decisões finais nas mãos da máquina. E é essa combinação de técnica com experiência o que permite criar aplicações reais, como as que mostrei acima, em vez de simplesmente aceitar a primeira sugestão que a IA entrega.

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Conheça quem escreveu o artigo

  • Gio Mangoni
    Gio Mangoni

    Gio Mangoni é especialista em Inteligência Artificial Generativa, palestrante de IA na prática, pesquisadora de cocriação humana e de IA na UFSC. Já deu aulas no Brasil e em Portugal sobre o assunto e trabalha com Marketing desde 2019.

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